quarta-feira, agosto 16, 2006

Brincadeiras de menino (de interior nordestino)

Outro dia desses Guegueg me mostrou um texto muito legal do Leonam Quirino, irmão do Jessier. Como o site onde esse texto estava o apagou junto com outros bem legais que hoje so sobrevivem graças ao cache do Google e talvez ao sensacional wayback machine (que merece um post à parte qualquer dia desses), resolvi postá-lo aqui. Espero que gostem, a parte do bombão com quichute fez escorrer dos meus olhos uma lágrima de emoção. Outro detalhe, me considero uma pessoa relativamente esclarecida, mas nesse texto tem pelo menos umas 10 expressões que eu nunca tinha ouvido falar na vida, quem entender o texto todo por favor entre em contato!


Brincadeiras de menino (copiando Jessier Quirino)

Conversava dia desses com meu irmão Jessier, o caçula lá de casa, e começamos a falar de nossos filhos, e fomos automaticamente transportados para o nosso tempo de menino, que quase sempre se brincava de tudo. Ele muito quieto, não participava com os fazedores de arte, botadores de circunflexo em cocô ou nação do desassossego, mas prestava muita atenção.

Como Jessier é mais moço do que eu,passou a relembrar... e eu junto. Senão vejamos:

Campina tinha as mesmas coisas de toda cidade pequena: as mesmas quengas, os mesmos baitôlas, aluados, aleijados, cachaceiros...Um caminhão velho enferrujado perto duma sucata, um campinho de pelada, um mato perto de casa, um açude bom de banho, casarão mal-assombrado, um muro intransponível e um sítio bom de goiaba. Era exatamente nesse território de sabor provocativo que desembocava boa parte da farra da gente – isso depois de tirar a farda do colégio, claro. Em seguida meu cumpade, era descobrir Américas e fofar felicidade.

Invariavelmente eram traquinagens amaldiçoadas feito moedas de Judas e giravam em torno de: perturbar um doido a poder de apelido, estumar um cachorro brabo, levar carreira de vigia, judiar com bicho de rua, cavucar um ferro velho, dar um bombaço com o "quichute" no portão de uma coroa enjoada e disparar, derrubar a lata de lixo dum velhote ignorante, esperar a saída do Colégio das Damas, "cair de mão" olhando uma mulher tomar banho, mulherizar as jumentinhas e as coitadas das galinhas, dar uma dedada num bunda mole, passar xêxo em cabaré, fazer uma rodada de putaria de menino ou ver desenhos de mulher nua, mijar nas próprias pernas pra aliviar queimadura de urtiga, dar um tostão no joelho dum, roubar goiaba em casa alheia, morcegar caminhão, dar uma vaia em caga-lona, fazer um serra-velho na porta duma véia enjoada em sábado de aleluia, roubar um judas, dançar num forró de bairro, tirar um burdão em lotação, entrar em embuança de peladeiros, andar e perturbar em fila indiana dentro de comício, negociar em feira de gibi etc. Eu, soldado raso, não comandei nenhuma dessas batalhas - meu irmão Léo já era o Che Guevara e Paulo Mocó o Fidel Castro do sistema - mas dei lá minhas revoluçadas.

Naquela época era assim: tinha dia de lavar e encerar a casa. Ah meu cumpade! Como se lavava e se encerava casa! Jogar água e sabão era brincadeira. Enxugar e encerar eram castigo. Tinha o dia da novena, dia de fazer visita... E tinha também as safras de brincadeiras. Era tempo de pinhão, de bola de gude, de jogo de botão, de yôyô, de patinete, de figurinha, de soltar bomba, de mela-mela... Tinha até tempo de tanajura. Era pegar tanajura, tomar banho de chuva, fazer barragem no aguaceiro da rua pegar sapinho e pescar guarú... Brincadeira obrigatória como qualquer outra.

Havia as brincadeiras diurnas e noturnas. Algumas pareciam feira de cavalo, só tinha homem e eram arrochadas feito cunhão de toureiro. Exemplo: Fazer guerra de carrapateira, guerra de torrão, bater pelada - um barra a barra ou carimbada, brincar de luta livre, de faroeste, lutar espada, andar em cima de muro, queimar peido com fósforo, fazer concurso de mijada, correr de carro de rolimã, subir em pé de coco e mamão... As mais leves eram: andar de bicicleta, fazer balinheira, pedir a mãe pra fazer bisaco, caçar passarinho, batucar numa lata pra ressuscitar o bichinho, tocaiar um bicho no capim, apostar carreira, virar bunda-canasca, acompanhar uma boiada, sapatear um quarador de roupa, tomar banho de mangueira, brincar de circo, fazer alma em oco de mamão verde, tirar o selo no quengo dum, jogar casca de laranja nos caibros pra enganchar, chupar cana com o caldo descendo no bucho, fazer ginástica - barra e apoio de frente, se esconder atrás de moita, derrubar enxu com vara, torar rabo de lagartixa, fazer armadilha no chão, andar de cavalo de vara, dirigir com tampa de panela, brincar com roda de aro ou com pneu, espetar ferrinho de ABC, soltar coruja, brincar de toca, de garrafão, de academia, puxar rolo de lata de leite, batucar em alauça, ir pra fábrica de picolé, pegar mosca com a mão, brincar com minhoca e adivinhão, dar peteleco em ureão, se intrigar e pedir penico, aprender a assobiar, brincar de dinheiro de cigarro, colecionar boneco de Toody, fazer botão e anel de coco-macaíba, fazer botão de baquelita, fabricar carro de lata, dar banho no cachorro em açude... Por falar em banho no açude, tinha uma cena interessante: eram as tradicionais lavagens de caminhão em beira de açude nos domingos de manhã. Eram aqueles GMC, Fê-nê-mê e Chevrolet de capou aberto em formato de crocodilo... O óleo formando cores de arco-íres nas águas e a meninada pinotando das carrocerias com seus corpos pelados feito sovaco de santo.

Até na hora do almoço e jantar brincava-se: Era fazer capitão de feijão e farinha, tocar tarol com talher, botar um umbu na boca pra dizer que era um lubim, fazer boneco com casca de melancia e conversar besteira picando cisco de pão com uma faca.

As brincadeiras noturnas eram mais leves: Afora os pipocos das bombas-navio do dia de São João, onde o pavio era pouco e a vontade era muita, a maioria das brincadeiras eram: os tradicionais jogos: botão, dominó, baralho, ping-pong e também álbum de figurinha, brincar de drama, de anel, tocar violão, ouvir disco em radiola, dar uma dançadinha, fazer um bacurau com a nação do desassossego e mentir.

As únicas coisas que me atormentavam eram: ir pra aula de catecismo, provar costura alinhavada, vestir a farda, tomar injeção e esfregar o grude com bucha do mato.

Êta nação amolestada do desassossego! Êta meninos feios da bexiga-lixa! Ô tempo besteirento duma figa! De brincadeiras sem graça! Ainda bem que hoje existe videogame, Internet, shopping-center e televisão!

Leonam Quirino

5 comentários:

Roberto Mello disse...

Tu sabe que eu achei esse texto do caralho, mas que fique registrado mais uma vez.
O "Ainda bem que hoje existe videogame, Internet, shopping-center e televisão!" foi uma pérola da galadice!

Bony Daijiro Inoue disse...

hey...eu entendí ele todo...o quê tú não entendeu?

Mascis disse...

Caro Bony, segue uma listinha das coisas que nao tenho a minima ideia, espero que voce possa me esclarecer:

- Passar xexo em cabare (pra mim passar xexo era roubar, dar o ganho)
- fazer um serra-velho
- tirar um burdão em lotação
- entrar em embuança de peladeiros
- fazer balinheira
- espetar ferrinho de ABC
- batucar em alauça
- lubim
- fazer um bacurau com a nação do desassossego

Bony Daijiro Inoue disse...

-passar xexo em cabaré: sair sem pagar a conta;
- fazer um bordão em lotação: dar aquela acochada em um ônibus lotado;
- embuança de peladeiros: o famoso cú de burro;
- espetar ferrinho de ABC: jogo de argolas;
- fazer um bacurau: brincadeira em que se imita um pássaro. Nação do desassosego é a galera dele;
- lubim: o mesmo que o cupim do boi;
- balinheira: eu acredito que seja a mesma coisa que estilingue...
O resto eu não lembro agora...

Mascis disse...

Muito bom! Valeu Bony! :)